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03 . 07 . 2018

Helmintas - Imunomoduladores do Passado

No último século, a prevalência de doenças alérgicas e autoimunes nos países desenvolvidos aumentou drasticamente, estimando-se que, actualmente, 1 em cada 10 pessoas sofra de uma doença autoimune. Haverá várias razões para este fenómeno, mas uma delas é, certamente, a alteração do ecossistema do corpo humano, o bioma.

O paradigma científico actual afastou-se da ideia de que os microorganismos são agentes  exclusivamente nocivos e contempla a necessidade de um equilíbrio ecológico entre o ser humano e todos os seus “habitantes”. Ao longo de milhares de anos, o nosso sistema imunitário esteve habituado a lidar com múltiplos organismos, muitos dos quais desapareceram de cena com as práticas de sanitização da civilização moderna. O controlo de agentes infecciosos foi fundamental para a evolução da nossa espécie, mas a decorrente perda de diversidade do bioma humano poderá ter contribuído para uma hipersensibilidade do nosso sistema imunitário.

Os helmintas são organismos pluricelulares, geralmente considerados como parasitas, uma vez que usam o hospedeiro para obter protecção e nutrição. Para garantir a sua sobrevivência, estes organismos desenvolveram mecanismos de defesa que lhes permitem escapar ao sistema imunitário do hospedeiro, incluindo a capacidade de o tornar menos vigil e agressivo. Nesta perspectiva, é possível que alguns destes helmintas prestem um serviço benéfico ao ser humano, prevenindo a hiperactivação do sistema imunitário e os problemas alérgicos e autoimunes daí decorrentes. Este é o pressuposto da “teoria de depleção do bioma” que propõe uma relação de mutualismo, e não parasitismo, entre seres humanos e helmintas.

Muitos estudos em animais e alguns ensaios clínicos, em humanos, já avaliaram a resposta de doenças autoimunes ao tratamento com helmintas, com resultados positivos e sem registo de efeitos adversos significativos. Até à data, esta terapia provou ser benéfica na doença inflamatória intestinal, doença celíaca, esclerose múltipla, artrite reumatóide e psoríase. Do ponto de vista imunológico, estes agentes parecem promover as seguintes adaptações:

  • Indução de diferenciação de células T reguladoras (linfócitos T que regulam a resposta imunitária).
  • Diminuição da resposta Th1 e Th17, com diminuição de citocinas inflamatórias como o IFNγ  e TNFα.
  • Aumento da resposta Th2, com aumento das citocinas IL10 e TGFβ, que têm um efeito imunoregulador.

Muitos destes estudos utilizaram helmintas cujo hospedeiro definitivo não é o ser humano, como por exemplo o Trichuris suis, que coloniza o porco. Este facto tem a vantagem de impedir a colonização definitiva por parte do organismo mas, por outro lado, pode implicar a ingestão cíclica de ovos para manter os efeitos positivos. Para contornar este problema, e outros inerentes a uma terapêutica pouco convencional, cientistas estão a tentar desenvolver drogas semelhantes aos produtos secretados pelos helmintas, que possam exercer os mesmos efeitos imunomoduladores. Resta saber se moléculas artificiais conseguem promover a mesma cascata de efeitos, que a interacção entre organismos vivos desencadeia.

Esta é uma área fascinante da imunologia e é interessante constatar como, por vezes, a natureza pode oferecer respostas para os problemas que assolam a espécie humana.

Referências:

Villeneuve C, Kou H, Parker W, et al. Evolution of the hygiene hypothesis unto biota alteration theory: what are the paradigms and where are the clinical applications? Microbes and Infection 20 (2018) 147-155

Parker W, Ollerton J. Evolutionary biology and anthropology suggest biome reconstitution as a necessary approach toward dealing with immune disorders. Evolution, Medicine, and Public Health 2013;2013(1):89-103

Smallwood T, Giacomin P, Miles J et al. Helminth Immunomodulation in Autoimmune Disease. Frontiers in Immunology 8 (2017): 453

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