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16 . 09 . 2019

Fígado gordo - Uma Epidemia Silenciosa

A doença hepática não alcoólica é uma entidade cada vez mais frequente e prevê-se que num futuro próximo venha a ser a principal causa de transplante de fígado.

É sobejamente conhecida a associação entre o consumo de álcool e a acumulação de gordura, sob a forma de triglicéridos, no fígado. Contudo, esta não é a única causa, e os problemas metabólicos ligados à resistência à insulina, também podem provocar alterações semelhantes. Quando o paciente apresenta fígado gordo, na ausência de consumo de álcool, a patologia designa-se por “Esteatose Hepática Não Alcoólica” ou “Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica” (DHGNA).

Qual a prevalência desta doença?

Actualmente, estima-se que, cerca de, 25% da população mundial apresente DHGNA, que corresponde a uma acumulação de, pelo menos, 5% da massa total do fígado em triglicéridos. A prevalência é mais elevada na população obesa (50%) e nos pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (70%), o que reflecte a importância da resistência à insulina na origem e progressão desta entidade.

O que provoca a DHGNA?

O fígado é o órgão mais importante, do ponto de vista metabólico. Uma das suas funções é armazenar energia, sob a forma de glicogénio, e produzir triglicéridos, que podem ser utilizados como fonte ou reserva energética noutros tecidos. Na presença de uma dieta com excesso de calorias, particularmente rica em hidratos de carbono refinados, gera-se um estado de hiperinsulinémia, que conduz a uma produção excessiva de gordura no fígado. A frutose é um tipo de açúcar presente na fruta, mas em proporções mais elevadas no açúcar refinado (cerca de 50% é composto por frutose), sendo especialmente nocivo do ponto de vista metabólico. Em paralelo, se houver carência de alguns nutrientes fundamentais para o transporte da dita gordura (triglicéridos) em lipoproteínas próprias (VLDL), do fígado para a circulação sistémica, o problema agrava-se.

Qual o curso clínico da doença?

A DHGNA é, na maioria das vezes, assintomática, o que impossibilita um diagnóstico precoce. Na sua forma mais simples, existe acumulação de gordura no fígado sem alterações inflamatórias, o que se designa por esteatose simples. Contudo, 20-30% dos pacientes desenvolvem alterações inflamatórias no fígado, com lesão dos hepatócitos e formação de tecido fibroso. A este estadio da doença, chama-se esteato-hepatite não alcoólica, sendo que 7-25% destes casos podem evoluir para cirrose hepática.

Figura 1 – Esquema representativo do carácter evolutivo da DHGNA.

 

 

Figura 2 – Alterações da estrutura anatómica do fígado, durante os vários estadios da DHGNA.

 

Como se diagnostica DHGNA?

Na fase de esteatose simples, sem alterações inflamatórias, os parâmetros analíticos de função hepática (ALT, AST, GGT, etc.) são normais em 80% dos casos, o que os torna pouco úteis para o diagnóstico. Os exames de imagem são, então, essenciais no diagnóstico da DHGNA, desde a ecografia à ressonância magnética. A ecografia é um exame mais acessível e menos dispendioso e deve ser a escolha inicial. Quando existe esteato-hepatite, as provas laboratoriais de função hepática tendem a estar alteradas. Contudo, um diagnóstico definitivo, é feito apenas por biópsia hepática.

Como se trata este problema?

Sendo a DHGNA, uma patologia do metabolismo, faz sentido que a abordagem inicial incida nesse capítulo. Quando existe excesso de peso, o que acontece na maioria dos casos, é recomendada a perda de, pelo menos, 10% do peso corporal. Uma dieta hipocalórica, rica em proteína e fibra, e pobre em açúcares e gorduras saturadas, é eficaz nestes casos. Alguns nutrientes são particularmente importantes, como os seguintes:

  • Colina – uma das vitaminas do complexo B. Serve como precursor da fosfatidilcolina, que é um fosfolípido presente na membrana das lipoproteínas. A deficiência em colina, conduz a uma deficiente produção de lipoproteínas no fígado e, consequente, incapacidade de exportar triglicéridos. Este nutriente encontra-se presente, em maior quantidade, na gema dos ovos e nas vísceras animais, particularmente no fígado.
  • Vitamina E – é o principal anti-oxidante lipossolúvel no organismo. Os alimentos mais ricos em vitamina E são as oleaginosas e as sementes.
  • Ácidos gordos poliinsaturados Omega-3 –  o ácido eicosapentaenóico e o ácido docosahexanóico têm propriedades anti-inflamatórias e promovem a sensibilidade à insulina. A sua principal fonte na dieta é o peixe gordo.

A actividade física também é importante, pois conduz a um aumento de massa magra e ajuda na reversão da resistência à insulina.

 

Fig. 3 – A gema de ovo é muito rica em colina, um nutriente essencial na prevenção e tratamento da DHGNA.

 

Existe algum medicamento para a DHGNA?

A metformina e as tiazolidinedionas são agentes farmacêuticos que promovem um aumento da sensibilidade à insulina no organismo, e têm alguma utilidade no tratamentos da DHGNA, particularmente nos pacientes diabéticos.

Agentes botânicos, como a berberina, o cardo mariano e o extracto de chá verde, também tiveram a sua eficácia demonstrada em ensaios clínicos, quando comparados com placebo.

Várias outras substâncias estão a ser alvo de estudo no tratamento da DHGNA, como os agonistas dos receptores dos ácidos biliares, mas a sua aplicação clínica ainda não é consensual.

A DHGNA é uma entidade que merece a atenção de todos os clínicos, devido à sua crescente prevalência e às consequências graves que pode ter, tanto a nível do fígado como sistémico, desde logo contribuindo para o aumento de risco cardiovascular. O seu carácter silencioso torna esta patologia especialmente perigosa, mas é totalmente reversível, com uma alteração dos hábitos alimentares e de estilo de vida.

 

Referências:

Muhammad, A. Non-Alcoholic Fatty Liver Disease, an Overview. Integrative Medicine (Encinitas). 2019;18(2):42-49.

El-Agroudy NN, Kurzbach A, Rodionov RN, et al. Are Lifestyle Therapies Effective for NAFLD Treatment? Trends in Endocrinology and Metabolisnm, August 2019.

Akshintala D, Chugh R, Amer F, Cusi K. Nonalcoholic Fatty Liver Disease: The Overlooked Complication of Type 2 Diabetes. In: Feingold KR, Anawalt B, Boyce A, et al., eds. South Dartmouth (MA); 2000.

Masterjohn, C (2011). Non-Alcoholic Fatty Liver Disease. Retrieved from www.westonaprice.org/health-topics/nonalcoholic-fatty-liver-disease

02 Comments

E tenho o meu fígado gordo e só muito obesa gostaria de saber qual a dieta que havia de fazer para ficar melhor obrigada

Olá Maria. Idealmente, uma dieta baixa em hidratos de carbono refinados e em gorduras saturadas. No entanto, qualquer dieta que a fizer perder peso, vai ajudar.

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